domingo, 6 de junho de 2010


As crianças verdadeiramente pobres

As crianças verdadeiramente pobres, às vezes, nascem em palácios, Crescem cercadas de nobreza e fausto, dispõem sempre de escravos a lhes acudir. Mas passam pela infância sem ter quem lhes ensine a carícia da palavra, a ternura do olhar. sabem enxergar, mas não aprenderam a ver. Por isso desconfiam da beleza e tratam como estranho o encantamento. Ninguém jamais abre-lhes os olhos que Deus colocou na ponta de seus dedos. Ninguém em toda vida ensina-lhes a discriminar pelo olfato, descobrir pelo paladar. Vivem entre pessoas que julgam inútil alguém ensinar-lhes: A carícia da palavra, A emoção aprisionada no movimento, A magia fenomenal do pensamento, A construção desafiadora de um dilúvio de emoções.
As crianças verdadeiramente pobres, às vezes, nascem em palácios, Crescem entre pessoas que jamais despertam suas inteligências para A graça incomensurável dos números, A identificação ilimitada do espaço, A percepção fascinante do tempo, A fantasia dos mitos e viagens inesquecíveis pelo devaneio, Os segredos da semente, a sabedoria das árvores.
As crianças verdadeiramente pobres às vezes nascem em palácios, Passam pela vida como nuvens claras, tornam-se adolescentes e adultos que desconhecem tudo Do encanto das tempestades, Da infinita beleza contida na fúria do mar, Da singela e magnífica violência do vento, Da ternura travessa escondida na dança das labaredas. As crianças verdadeiramente pobres muitas vezes ganham tudo, mas, se soubessem se tornar milionárias, trocariam a soberba e enganosa riqueza do ter pela palavra carinhosa da mãe, pela mão na cabeça com infinita ternura de uma verdadeira professora.

Celso Antunes no Livro A Teoria das Inteligências Criadoras

2 comentários:

  1. Sónia de facto esse texto que aqui nos colocas remete, inevitavelmente, para uma reflexão acerca da importância dos afectos e do nosso papel enquanto educadoras de infância, promotoras de um desenvolvimento emocionalmente feliz da criança.
    É de facto importante pensarmos e lembrarmos as crianças que aparentemente têm tudo mas que, "esmiuçando" a sua vida carecem de muito. E talvez careçam do mais importante e fundamental para crescermos e nos tornarmos adultos plenos e de bem com a vida: o amor por nós próprios, o amor pelo próximo. Uma vez que muitas de nós desconhece qual será o contexto educativo no qual iremos começar a trabalhar, torna-se fulcral que estejamos dispertas para o facto de podermos trabalhar em "GRANDES COLÉGIOS" aqueles... de nome... aqueles com as crianças que "tudo têm"... Assim sendo, o papel do educador deverá integrar o diálogo com as crianças e construção de relações autênticas e verdadeiras que impeçam que as "nossas crianças" cresçam carentes do que de melhor lhes podemos dar: o bem-estar, o amor, a amizade, o companheirismo por aí...

    Andreia Arroseiro

    ResponderEliminar
  2. Sónia e Andreia

    Os vossos dois comentários remetem para a essência da educação. O que é uma boa educação? Na minha perspectiva é aquela que permite um ser tornar-se um ser humano, ligar-se a outros seres humanos e tornar-se pessoa ao mesmo tempo que se desenvolve intelectual, motora e fisicamente. Conheço muitas crianças que não se tornaram seres humanos. Ficaram adultos cortados na sua humanidade Ou porque estão presos em medos e se isolam, ou porque são tão inseguros que não conseguiram construir um projecto de vida autónomo, não estudaram, não estabeleceram um relação sgnificativa com ninguém e vivem no ódio, no rancor, na culpa ou na dependência com muito poucos recursos para mudar. Com muito caminho para andar para viver a complexidade de ser humano...


    Luísa Ramos de Carvalho

    ResponderEliminar